Entre a Bíblia e o Cargo Comissionado: A Hipocrisia Litúrgica das Câmaras Municipais
Publicado em 19/02/2025 07:51
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Seja bem-vindo à sessão solene da hipocrisia institucionalizada! Em muitas Câmaras Municipais pelo Brasil afora, e Biguaçu não escapa dessa tradição questionável, a leitura de um versículo da Bíblia é o rito inaugural dos trabalhos legislativos. Tudo muito bonito, simbólico, respeitável... até que você olha mais de perto e percebe que alguns dos que entoam palavras sagradas são os mesmos que, dali a poucos dias, estarão negociando cargos, trocando favores e esvaziando os cofres públicos com a mesma devoção com que recitam as Escrituras.

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Por Luiz Lunardelli

Ora, se a Constituição Federal garante que o Brasil é um Estado laico, por que essa necessidade de começar sessões legislativas com um trecho da Bíblia? O que impede nossos vereadores de abrirem os trabalhos com uma oração universal, algo que inclua e respeite todas as crenças, inclusive a de quem não tem nenhuma?

A resposta é simples: a Bíblia tem um apelo popular que ajuda a construir a imagem de político "temente a Deus" e "do bem". Nada como abrir uma sessão com um salmo para parecer um legislador ilibado. Mas, na prática, o que se vê em muitos casos são vereadores perjuros, que juram servir ao povo com integridade e, pouco depois, trocam o mandato por um cargo comissionado em troca de alianças políticas. Uma verdadeira fé com interesses bem definidos.

Não seria mais honesto e inclusivo permitir que, a cada sessão, um vereador fizesse uma reflexão voltada à espiritualidade, respeitando todas as religiões? Que tal, em vez de sempre recorrer à Bíblia, dar espaço ao Alcorão, ao Torá, ao Bhagavad Gita, ou mesmo a uma reflexão filosófica sem vinculação religiosa? Mas isso provavelmente daria urticária em muitos dos nossos legisladores, que, apesar de se dizerem "representantes do povo", ignoram que esse povo é diverso, tem fés diferentes e, pasme, alguns nem fé têm! Nesse sentido a Câmara Municipal de Antônio Carlos (SC) já dá o exemplo, que vem junto com elevadas doses de postura e decoro parlamentar, ausentes em suas cidades vizinhas.

Talvez o melhor seja abolir de vez essa prática de leitura religiosa nas Câmaras. Ou, quem sabe, poderíamos ao menos incluir um novo versículo apócrifo e contemporâneo: “E, ao soar do sino, aquele que jurou servir ao povo disse: ‘Eu vos deixo, pois maior é a gratificação do cargo que me foi oferecido pelo prefeito. Amém’”.

 

 

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